terça-feira, 26 de abril de 2011

Assunto interessante - Contribuição do Professor Daniel Vaz

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EFEITO TRANSLATIVO DOS RECURSOS. DECISÃO RECENTE DO STJ E TEXTO DO L.F.G. SOBRE O TEMA. DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA:



EFEITO AUTÔNOMO DOS RECURSOS OU APROFUNDAMENTO DO EFEITO DEVOLUTIVO? VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO?

EXECUÇÃO FISCAL. APELAÇÃO. EFEITO TRANSLATIVO. (ÍNTEGRA EM ANEXO!)

Cuida-se de embargos à execução fiscal em que se apontou mais de um fundamento para a nulidade da execução, mas, na sentença, foi acolhido apenas um deles para anular a certidão de dívida ativa (CDA). Ocorre que, na apelação interposta pela Fazenda estadual, julgada procedente, o tribunal a quo limitou-se a analisar o fundamento adotado pela sentença, deixando de examinar as demais questões arguidas pela embargante em sua inicial e reiteradas nas contrarrazões da apelação. Opostos os declaratórios objetivando suprir tal omissão, eles foram rejeitados ao entendimento, entre outros temas, de ser necessária a interposição de apelo próprio para devolver ao tribunal as questões não apreciadas pelo juízo. No REsp, a recorrente alega, entre outras questões, violação do art. 535, II, do CPC. Para o Min. Relator, por força do efeito translativo, o tribunal de apelação, ao afastar o fundamento adotado pela sentença apelada, está autorizado a examinar os demais fundamentos invocados pela parte para sustentar a procedência ou não da demanda (§ 2º do art. 515 do CPC). Portanto, na espécie, quando os embargos à execução fiscal trouxeram mais de um fundamento para a nulidade da sentença e o juiz só acolheu um deles para julgá-los procedentes, a apelação interposta pela Fazenda estadual devolveu ao tribunal a quo os demais argumentos do contribuinte formulados desde o início do processo. Assim, ainda que fosse julgada procedente a apelação da Fazenda, como no caso, aquele tribunal não poderia deixar de apreciar os demais fundamentos do contribuinte. Ademais, o exame desses fundamentos independe de recurso próprio ou de pedido específico formulado em contrarrazões. Dessarte, concluiu que a omissão da análise dos demais fundamentos invocados pela parte embargante, aptos a sustentar a procedência dos embargos e a extinção da execução fiscal, importou violação do art. 535 do CPC. Com essas considerações, a Turma deu provimento ao recurso para anular o acórdão que apreciou os embargos de declaração, determinando o retorno dos autos ao tribunal de origem para que sejam analisadas as questões. Precedente citado: REsp 493.940-PR, DJ 20/6/2005. REsp 1.201.359-AC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 5/4/2011.




O Efeito Translativo como Efeito Autônomo Dos Recursos - Renata Miranda Goecks e Fábio Reck Alves
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15/12/2009-17:30 | Autores: Renata Miranda Goecks; Fábio Reck Alves;

Como citar este artigo: ALVES, Fábio Reck; GOECKS, Renata Miranda. O Efeito Translativo como Efeito Autônomo Dos Recursos. Disponível em http://www.lfg.com.br - 15 dezembro de 2009.


O EFEITO TRANSLATIVO COMO EFEITO AUTÔNOMO DOS RECURSOS

Os recursos possuem como efeitos comuns o suspensivo e o devolutivo, podendo-se, ainda, falar em efeito regressivo e expansivo subjetivo. No entanto, com relação ao efeito translativo há divergência se é um aprofundamento do efeito devolutivo ou se é autônomo a ele.

A interposição de recurso gera a transferência ao tribunal ad quem da matéria impugnada, provocando o seu reexame. A isso se dá o nome de efeito devolutivo dos recursos, que vem previsto no caput do artigo 515 do Código de Processo Civil “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.”

De acordo com Fredie Didier o efeito translativo não pode ser tido como efeito autônomo dos recursos, tendo em vista que se trata de um aprofundamento da matéria já devolvida ao Tribunal:



A profundidade do efeito devolutivo determina as questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem para decidir o objeto litigioso do recurso. A profundidade identifica-se com o material que há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. Para decidir, o juiz a quo deveria resolver questões atinentes quer ao fundamento do pedido, quer ao da defesa. A decisão poderá apreciar todas elas, ou se omitir quanto a algumas delas. Em que medida competirá ao tribunal a respectiva apreciação? Trata-se da dimensão vertical do efeito devolutivo.[1] (grifo nosso)

Nesse diapasão, o efeito translativo está atrelado ao devolutivo, uma vez que se trata do aprofundamento dado a matéria devolvida ao reexame pelo Tribunal ad quem. Assim, o tribunal poderá apreciar todas as questões que se relacionarem àquilo que foi impugnado, ou seja, a extensão do recurso é determinada pelo recorrente, mas não a profundidade da sua análise que fica adstrita ao tribunal competente para o julgamento do recurso.

Também se coadunam a esse entendimento José Carlos Barbosa Moreira, Rodrigo Mazzei e Ada Pellegrini Grinover. Esta, especificamente, escreveu que:



Mas, dentro desses limites, a profundidade do conhecimento do tribunal é a maior possível: pode levar em consideração tudo o que for relevante para a nova decisão, por isso que o brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum (relativo à extensão do conhecimento), complete-se pelo acréscimo vel apellare debebat (relativo à profundidade). Assim, nos limites da matéria impugnada, ou cognoscível de ofício, e desde que não modifique o pedido e a causa de pedir (que delimitam a pretensão), o tribunal poderá livremente apreciar, no recurso, aspectos que não foram suscitados pelas partes.[2] (grifo nosso)

Ministro Cezar Peluso, em um de seus julgados, dispôs que:



O Tribunal julgou procedente pedido de ação cautelar para conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra acórdão do TSE e restabelecer sentença que cessara diploma de Prefeito por captação ilícita de sufrágio e que absolvera o Vice-Prefeito, requerente desta ação, da imputação de abuso de poder econômico. Na espécie, da sentença referida, apenas o Prefeito recorrera. Não obstante, o TER reformara a decisão de 1º grau para cassar também o mandato do Vice-Prefeito, o que ensejara a interposição do recurso especial, sob a alegação de ofensa à coisa julgada, o qual fora improvido pelo TSE, por maioria, ao fundamento de que seria lícita a correção de questão atinente à matéria de ordem pública, qual seja, a subordinação jurídica do Vice-Prefeito ao que decidido em relação ao Prefeito, tendo em conta o efeito translativo do recurso ordinário. Preliminarmente, indeferiu-se por ausência de interesse jurídico, o pedido de intervenção de terceiro, que alegava ter sido candidato da eleição anulada em que fora derrotada a chapa que encabeçara. No mérito, entendeu-se que a pronúncia do órgão recursal sobre a parcela não impugnada do capítulo decisório de sentença, ao transpor os limites do efeito devolutivo e que, salvo o caso de vício processual absoluto, que leve à anulação ou extinção do processo, sempre devolvido à cognição do Tribunal por conta daquele efeito, só serão conhecidas pelo Tribunal aquelas questões cuja solução serviu ou devia servir de fundamento dos capítulos decisórios impugnados pelo recurso, ou seja, o órgão recursal terá plena liberdade para análise das questões de fato e de direito debatidas na causa, inclusive as de ordem pública, desde que se restrinja aos limites da parcela impugnada do conteúdo decisório da sentença. [...][3] (grifo nosso)

No entanto, parcela da doutrina entende que o efeito translativo é autônomo, não dependendo do devolutivo para que exista. Mas, mesmo para os que adotam essa corrente, há que se distinguir entre a concepção ampla e a restrita do efeito translativo no sistema recursal.

O efeito translativo, em uma concepção ampla, não tem origem no princípio dispositivo, mas no inquisitório, não estando o tribunal, destinatário do recurso, vinculado ao pedido da nova decisão a ser prolatada. Esse conceito autoriza o órgão ad quem a julgar independentemente das razões suscitadas pelas partes, não podendo se falar em julgamento extra, ultra ou citra petita.

Os doutrinadores brasileiros filiados ao entendimento da autonomia do efeito translativo, entretanto, adotam o seu sentido estrito, ou seja, a análise da matéria, independentemente, do pedido da parte fica adstrita ao interesse público. Assim, o efeito translativo é a capacidade do Tribunal de julgar matérias que não tenham sido abrangidas pelo recurso, por serem elas de ordem pública, indo além da vontade do particular.

Nesse sentido, Nelson Nery Junior esclarece que:



As questões de ordem pública podem ser apreciadas pelo órgão ad quem mesmo que não tenha este sido instigado a se pronunciar sobre esta questão, mesmo que ainda não tenha sido analisada pelo tribunal a quo, o que não enseja a qualificação da sentença como extra, ultra ou infra petita.[4]

Verifica-se, assim, que essa corrente denomina como efeito translativo o que a anterior chama de profundidade do efeito devolutivo. É certo que a adoção do conceito amplo do efeito translativo confere ao ordenamento jurídico uma certa insegurança e instabilidade, uma vez que permitiria o reexame pelo tribunal ad quem de qualquer matéria, mesmo que as partes estivessem satisfeitas com provimento jurisdicional de primeiro grau.

O conceito restrito do efeito translativo, entretanto, manifesta-se de acordo com o atual objetivo do sistema processual brasileiro, visto que privilegia o interesse público em detrimento do privado, independentemente de decorrer ele do aprofundamento da matéria devolvida ao órgão competente para o julgamento do recurso.

José Miguel Garcia Medina ensina que:



A possibilidade de o órgão ad quem examinar de ofício as questões de ordem pública não é decorrência do efeito devolutivo dos recursos em sentido estrito, nem da atuação do princípio dispositivo, mas do efeito translativo: o poder dado pela lei ao juiz para, na instância recursal, examinar de ofício as questões de ordem pública não arguidas pelas partes não se insere no conceito de efeito devolutivo em sentido estrito, já que isso se dá pela atuação do princípio inquisitório e não pela sua antítese, que é o princípio dispositivo, de que é corolário o efeito devolutivo dos recursos. Mesmo porque efeito devolutivo pressupõe ato comissivo de interposição do recurso, não podendo ser caracterizado quando há omissão da parte ou interessado sobre determinada questão não referida nas razões ou contra-razões do recurso.[5](grifo nosso)

Nesse diapasão, faltando alguma das condições da ação, por exemplo, que é matéria de interesse público, pode o tribunal, independentemente de pedido da parte, extinguir o processo sem julgamento do mérito. Nesse caso, mesmo sendo prejudicial a reforma, é ela permitida, pois se trata de matéria superior ao interesse particular, devendo o tribunal manifestar-se de ofício.

A jurisprudência tem assim se manifestado:



APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DUPLICATA MERCANTIL. PROTESTO CAMBIAL E INSCRIÇÃO EM ÓRGAÕS RESTRITIVOS. ENDOSSO MANDATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MANDATÁRIO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. EXTRA PETITA. PROCESSO EXTINTO. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 1º, DO CPC. EFEITO TRANSLATIVO. PROVIDA A APELAÇÃO. DESCONSTITUIDA A SENTENÇA E DECLARADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA. UNÂNIME.[6](grifo nosso)



RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. REFORMATIO IN PEJUS. EFEITOS DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO.

1. Não viola o art.535 do CPC, nem nega prestação jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, não se podendo cogitar de sua nulidade.

2. No reexame necessário, as questões decididas pelo juiz singular são devolvidas em sua totalidade para exame pelo Tribunal ad quem. Há também a ocorrência do efeito translativo, segundo o qual as matérias de ordem pública e as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, devem ser objeto de análise em sede de duplo grau de jurisdição. Mitigação da Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso ao tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.”

3. Não se configura reformatio in pejus para o Instituto Nacional do Seguro Social, porquanto o Juiz a quo extinguirá o processo com base na ilegitimidade dos executados, enquanto o e. Tribunal Regional Federal, por fundamento diverso, confirmou a extinção do processo de execução, por entender não preenchidos os requisitos de liquidez e certeza do título executivo. Vê-se, pois, que apenas houve alteração na fundamentação.

4. Recurso especial desprovido.[7]

Assim, de acordo com o primeiro entendimento o efeito devolutivo limita o efeito translativo, estando o tribunal vinculado às questões que se relacionarem àquilo que foi impugnado. O interessado limita o recurso, cabendo ao órgão ad quem aprofundar a matéria impugnada.

Mas, para a corrente que considera o efeito translativo um efeito autônomo dos recursos, o Tribunal pode, de ofício, avaliar matérias que não tenham sido objeto do recurso, mas desde que se sobreponham à vontade particular das partes, ou seja, desde que se refiram a matéria de interesse público. O efeito translativo, então, quando entendido como efeito autônomo dos recursos, independe da manifestação das partes, eis que a matéria vai além da vontade do particular, por ser de ordem pública.

Conclui-se, assim, que considerar o efeito translativo como um efeito autônomo dos recursos sempre que se tratar de matéria de ordem pública não só é possível, como útil, uma vez que assegura a efetivação do atual sistema processual brasileiro. Tal entendimento evita que se perpetuem decisões conflitantes com o interesse público pelo simples fato de não terem as partes devolvido ao tribunal ad quem a matéria, seja por esquecimento ou por não lhes ser favorável.

Notas de Rodapé:

[1] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Editora Podivm, Vol. 3, 5 ed., 2008, p.81.

[2]GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Recursos no processo penal. São Paulo: RT, 3 ed., 2001, p.52;

[3]AC 112/RN, Relator: Ministro Cezar Peluso, Julgado em: 01/12/2004. Informativo n.372 do STF.

[4]NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. São Paulo: RT, 6 ed., 2004, p.482.

[5]MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Celina Arruda Alvim. Comentários aos arts. 515, §4º e 518, §§1º e 2º. In: Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.219 a 237. Material da 2ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera – Uniderp/Rede LFG;

[6]Apelação Cível Nº 70032996167, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 12/11/2009.

[7]Recurso Especial 440248/SC, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Ministra Denise Arruda, Julgado em: 10/08/2005.

Referências bibliográficas

DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Editora Podivm, v. 3, 5 ed., 2008; GIOLO JÚNIOR, Cildo. Efeito translativo no recurso especial. Disponível em: www.jus2.uol.com.br, acesso em 06 de dezembro de 2009;

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Recursos no processo penal. São Paulo: RT, 3 ed., 2001, p.52;

MAZZEI, Rodrigo. “Efeito devolutivo e seus desdobramentos.” Dos Recursos. Vitória: ICE, 2001, v.1;

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Celina Arruda Alvim. Comentários aos arts. 515, §4º e 518, §§1º e 2º. In: Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.219 a 237. Material da 2ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera – Uniderp/Rede LFG;

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 13 ed., 2006;

NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. São Paulo: RT, 6 ed., 2004;

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais - teoria geral dos recursos. São Paulo: RT, 3 ed., 1996.



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DANIEL RIBEIRO VAZ.

Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal, Estágio II e Criminologia da Universidade Tiradentes (UNIT), Aracaju- Sergipe.

Professor de Cursos Preparatório para Concursos Públicos.

Professor de Direito Constitucional, Constituição Estadual e Lei Orgânica da faculdade Pio Décimo, Aracaju- Sergipe.

Experiência em coordenação pedagógica de cursos preparatórios para concursos públicos em Marília, São Paulo.

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (FADAP), (2000). Pós Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal Pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha (UNIVEM), Marília/São Paulo. (2001/2002).

http://lattes.cnpq.br/0520092450716975.

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Ministros debatem a relativização da coisa julgada

Ministros debatem a relativização da coisa julgada
Por Marina Ito
Uma das questões apresentadas aos ministros das cortes superiores, no Anuário da Justiça 2011, diz respeito à relativização da coisa julgada ser decidida nos atos processuais da fase de execução da sentença transitada. A variedade nas respostas dos ministros mostra o quanto o assunto é polêmico.
O ministro Mauro Campbell é taxativo. “No lugar de relativizar a coisa julgada, o Judiciário tem de qualificar ainda mais seus julgamentos, julgar melhor”, afirma. Outro ponto para o qual ele chama a atenção é quanto à modulação dos efeitos da decisão. “Com isso, evitaremos a necessidade de revisão da coisa julgada, esta sim uma prática de enorme risco à segurança jurídica.”
Hamilton Carvalhido afirmou que a relativização é necessária, mas em casos “absolutamente excepcionais”. Para Arnaldo Esteves Lima, a coisa julgada só pode ser desfeita com ação rescisória. “A 2ª Turma já decidiu por unanimidade que ‘vício insanável pode ser impugnado por meio de ação autônoma movida após o transcurso do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória”, contou Humberto Martins.
Para o ministro Benedito Gonçalves, em regra, não se pode relativizar a coisa julgada na fase de execução de sentença. “Muitas vezes, um processo leva 15 anos para ser decidido. Depois disso tudo, não me parece razoável rever uma sentença que fixou a regra que está regulando aquela relação social da qual surgiu o conflito”, disse.
Já o ministro Teori Zavascki diz que há um “mito” em torno do tema. “A discussão começou na época da inflação galopante. Ações demoravam tanto e na fase de execução resultava em um valor pífio. Logo, o princípio da coisa julgada comprometia a justa indenização, que é outro princípio constitucional”, afirmou. Para o ministro, a discussão estaria liquidada se houvesse um prazo de dois anos para se propor ação rescisória em casos especiais.
Castro Meira entende que admitir a relativização total é muito grave. “Mas, nas questões que envolvem a constitucionalidade, há outros valores. Quando uma lei é declarada inconstitucional, a relativização é plenamente aceitável, mas a decisão que a invalidou também tem de transitar em julgado. E os efeitos só se aplicam a situações que ocorrerem depois disso”, entende. As respostas dos ministros integram o Anuário da Justiça 2011.
No lançamento da publicação, o tema também foi repercutido. “O absurdo não transita em julgado”, disse o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra. O desembargador afirmou que há questões equivocadas que, muitas vezes, mesmo cobertas pela autoridade da coisa julgada, não podem ser objeto de execução. “Na Vara de Fazenda Pública, eu me deparei com centenas de execuções com erro de cálculo imenso, coisa de bilhões de reais, e que estava de algum modo coberto pela coisa julgada”, contou. Ele afirmou que procurou afastar o resultado absurdo, mostrando que havia um erro de conta.
Calandra lembrou que o Supremo tem se deparado com hipóteses sobre a relativização da coisa julgada. “Essa decorre muito menos de colocar em dúvida a autoridade daquilo que já não cabe mais recurso, que chamamos de coisa julgada material, e sim do fato da morosidade do processo. Ele demora tanto, percorre um caminho tão longo que, quando bate no Supremo Tribunal Federal, aquele julgado já não se mostra mais adequado à interpretação atual do Supremo”.
O advogado-geral da União Luís Inácio Adams considera o tema importante. “É um instrumento que, se bem aplicado, evita situações absurdas.” Ele citou o exemplo de uma decisão judicial que declara a isenção ou imunidade fiscal de uma empresa. O Supremo, após julgar uma ação em que foi reconhecida a repercussão geral, emite uma Súmula Vinculante, dizendo que as empresas do setor não têm imunidade. Na opinião de Adams, manter a isenção para a empresa que tem uma decisão favorável transitada em julgado vai fazer com que ela esteja em uma situação privilegiada em relação às concorrentes no que diz respeito à matéria tributária.
Diretora jurídica da Souza Cruz, Maria Alicia Lima, afirma que é sempre preocupante qualquer tendência que possa, de alguma forma, prejudicar segurança jurídica. “A partir do momento em que há uma posição consolidada do Judiciário, nós contamos com ela.” Maria Alicia compreende que a iniciativa de modernização para atender melhor o jurisdicionado que, de certo modo, justificaria essa relativização. “Mas, de uma forma geral, preferimos a segurança jurídica a uma situação de indefinição”, completou.
Para o desembargador Marco Aurélio Bellizze, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relativizar é suprimir a coisa julgada. Ele afirma que o mecanismo é fundamental para a segurança jurídica e que só em situações de evidente dolo autorizariam a supressão da coisa julgada. “A eterna busca pela Justiça perfeita, certamente, impedirá a pacificação das relações sociais. O sistema tem de estar equilibrado para, dentro de um período razoável, julgar com segurança os conflitos.”
Também do TJ fluminense, o desembargador Luiz Felipe Francisco afirma que a coisa julgada só deve ser alterada caso se constate algum erro ou nulidade que tenha contribuído para que houvesse o transito em julgado indevidamente.
O secretário da Reforma do Judiciário, Marcelo Vieira, do Ministério da Justiça, afirmou que o assunto está sendo discutido nos tribunais superiores. “Conseguimos debater o tema no novo CPC. Não está maduro.” Ele contou que o assunto estará inserido nos debates que vão acontecer em maio para ouvir opiniões de todos os profissionais sobre o projeto do novo CPC.