terça-feira, 6 de setembro de 2011

Um texto não tão novo, mas sempre atual

Pessoal escrevi esse texto tem uns dois anos mas creio que ele continua atual.


Quando me dispus a escrever sobre Direito pensei inicialmente em apresentar de uma maneira mais acessível não só o que acontece no dia-a-dia de um profissional da área, como também trazer discussões de cunho doutrinário e prático para o que, de alguma maneira, se vêem de frente com situações ligadas ao exercício de algum direito subjetivo.
Hoje, entretanto, creio que será mais um desabafo sobre como o Direito tem sido maltratado por desconhecimento, prepotência ou despreparo daqueles que foram investidos com a nobre função jurisdicional.
Há mais ou menos um mês fui procurado por uma cliente que tinha promovido uma execução de sentença junto a um dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Aracaju, recebendo assim a incumbência de apresentar impugnação a embargos que foram manuseados pelo Executado.
Em seus embargos o executado rebateu o valor exeqüendo, confessando, entretanto, que era devedor da quantia referente à multa por descumprimento da obrigação de fazer, o que gerou na impugnação pedido contraposto para fins de percepção de tal valor, evitando-se dessa maneira o manuseio de novo requerimento no processo principal com tal finalidade.
Impõe-se um esclarecimento. Os embargos, que durante muito se discutiu se seria uma defesa ou ação autônoma, apesar de tal discussão no âmbito prático prescindir de importância, possui natureza de ação onde o executado exercita o direito de defesa, o que se pode comprovar por exemplo pela necessidade de se atribuir valor à causa, ou requerer produção de provas, ou ainda por ser exigida a citação do embargado, dentre outras características inerentes aos das peças vestibulares.
Da mesma maneira é cediço na doutrina, não havendo dúvida quanto a isso, que a natureza jurídica da impugnação é de contestação, posto que ser esse o meio de defesa por excelência quando se trata de rebater uma petição inicial, ao lado da exceção e da reconvenção, sendo que no caso de ações que tramitam no chamado rito sumaríssimo no lugar da reconvenção temos o pedido contraposto.
Feita tal explicação voltemos ao caso, tendo em vista que na audiência de instrução fui surpreendido pelo questionamento da Magistrada no seguinte sentido: “Dr. quem já viu pedido contraposto em execução”. Tomado de assalto expliquei a natureza jurídica do instituto e disse à magistrada que se a mesma quisesse emitir sua opinião que o fizesse na sentença que é a oportunidade apropriada para tal fim.
Encerrada a discussão, já que impossível discutir Direito com a MM. Juíza, foram os autos à conclusão, sendo que na sentença fui novamente surpreendido por outra pérola já que o pedido contraposto formulado foi indeferido, ou seja, houve resolução do mérito.
Sob todos os aspectos caros leitores temos algo teratológico (monstruoso) tendo em vista que:
1º Face a natureza do instituto e da própria impugnação utilizando-se de maneira análoga o que prevê a cabeça do artigo 31 da Lei 9.099/95 a magistrada poderia analisar o pedido contraposto formulado, utilizando como supedâneo o que prevê o artigo 126 do CPC – O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (sem grifo no original);
2º Tendo em vista acreditar a magistrada não ser possível formular pedido contraposto em sede de impugnação não poderia deferir ou indeferir o pedido, cabendo a mesma extinguir o pedido sem resolução de mérito por falta de interesse/adequação. No caso em tela ao indeferir o pedido contraposto a juíza adentrou no mérito da causa e não considerou a confissão feita nos embargos mostrando total desconhecimento das normas processuais atinentes.
3º Ainda que não houvesse previsão e ainda que não houvesse a determinação do artigo 126 do CPC, ainda assim deveriam ser respeitados os princípios ou melhor pelos critérios previstos no artigo 2º da Lei 9.099/95, critérios esses que foram reduzidos à cinza pelo despreparo da julgadora.
Aqui voltamos ao objetivo primevo de começarmos a escrever e apesar de não deixar de ser um desabafo passaremos a analisar o Direito Processual e as soluções que esse ramo do Direito proporciona para que se evitem situações como as narradas acima.
O Direito Processual ou como alguns preferem Direito Jurisdicional é ramo do Direito Público que regula a atividade jurisdicional do Estado, através de mecanismos, princípios e institutos logicamente ordenados.
Tal ramo científico passou por três fases distintas que podemos assim apresentar: fase imanentista, fase científica e fase instrumentalista.
No primeiro momento histórico tínhamos o Direito Processual como mero apêndice do direito material, não possuindo independência teórica e científica, quase não se podendo considerar ramo autônomo do Direito enquanto ciência.
Após essa primeira experiência o processo passou a ter uma independência, atingindo a maturidade enquanto ciência, o que também criou inúmeros problemas de ordem prática pois imaginou-se e defendeu-se uma supremacia do método sobre a eficácia. O processo tornou-se maior que a pretensão que se pretendia proteger.
Foi nessa fase que vimos o surgimento do Código de 1939 e daquele que o substituiu em 1973 e que, infelizmente ainda permeiam o entendimento de muitos operadores do Direito, que enferrujaram as mentes e não consideram o processo como um meio e sim com um fim em si mesmo, atropelando sem dó o princípio da instrumentalidade das formas. São os chamados praxistas ou procedimentalistas, juristas que concentraram seus esforços na análise das formas processuais e que viam no processo mera sequência de atos e formalidades.
Hodiernamente vivemos um momento de reforma e quase catarse onde o processo passa a ser visto como sempre deveria ter sido, ou seja, como meio, como instrumento, nos dizeres de A. Câmara “Processo deve servir para resolver problemas e não para criá-los”.
Fruto desse novo pensamento sobre a sistemática processual, já se encontrando o Direito Processual com suas bases científicas bem definidas, passamos a buscar uma forma de aproximar a definição científica do que o leigo entende por justiça. Persegue-se um processo célere, eficaz e justo enquanto expressão do poder estatal competente para dirimir conflitos.
Essa nova fase veio a ser coroada com a edição da EC 45/2004 que assegurou a todos no âmbito judicial e administrativo a razoável duração do processo e os meios para uma solução célere.
É isso que se busca, um processo socialmente justo. Com isso não defendemos a inexistência da forma, posto que essa se nos afigura inafastável, o que não se admite é a supremacia da forma sobre o conteúdo, do instrumento sobre o artista. Um sem o outro não tem serventia. A fusão de ambos de maneira equilibrada é a solução para um processo justo.
Para a resolução de tal impasse faz-se necessário buscar um processo orientado por princípios. Não é objetivo desse texto discorrer sobre os princípios balisadores do processo, principalmente sob a ótica constitucional. A análise que nos propusemos fazer nesse momento diz muito mais respeito a essa nova face que o processo deve ostentar para a obtenção do resultado esperado pela sociedade.
A doutrina fala em ondas e é sobre isso que pretendemos discorrer para, quem sabe, apresentar um caminho para a reflexão.
A justiça, ainda hoje, se mostra uma senhora inacessível para muitos e a origem de tais dificuldades remontam à Magna Carta Inglesa, documento datado de 1215 e que, por exemplo, foi escrito em latim para que só aos nobres fosse aplicada, limitando a sua aplicação e protegendo aqueles que detinham o poder. Era a regra “sermos julgados por nossos iguais e pelas leis que nós criamos”.
Com a evolução histórica e social pela qual passou a humanidade, principalmente com a pressão social vinda de baixo, fez-se necessário permitir à totalidade da população acesso ao judiciário, para que todas as suas petições e pretensões pudessem ser objeto de análise e deliberação judicial.
Porém não se deve falar apenas em acesso à justiça, pois o simples acesso não necessariamente significaria o alcance do ideal de Justiça. O Processualista Paulista Kazuo Watanabe em seu ensaio “Assistência judiciária e o juizado especial de pequenas causas”, cunhou uma expressão ímpar para condensar o anseio de todos que necessitam da Justiça. Para o ilustre professor acesso à justiça é garantir à sociedade o acesso à ordem jurídica justa.
Nesse ponto pedimos permissão para voltar ao caso inicialmente narrado. Será que foi assegurado à minha cliente o devido processo legal e o acesso à justiça, ou melhor, o acesso a uma ordem jurídica justa. Cremos que não. Assegurar o acesso formal à justiça não é assegurar o devido processo legal.
Alexandre Câmara com a franqueza e poder de síntese que lhe são peculiares afirma que a “garantia do acesso à justiça (...) deve ser uma garantia substancial, assegurando-se assim a todos aqueles que se encontrarem como titulares de uma posição jurídica de vantagem que possam obter uma verdadeira e efetiva tutela jurídica a ser prestada pelo judiciário.
Para a obtenção e consecução desse ideal passamos pelas chamadas ondas do Direito Processual.
Na primeira onda o que se pretenteu foi assegurar um acesso à justiça através da assistência gratuita num primeiro momento (Lei 1.060/50) e num segundo momento uma assistência jurídica integral e gratuita nos termos da CF.
Passado esse primeiro momento de consolidação tivemos a chamada segunda onda que consistiu em assegurar a proteção de direitos não individuais, ou meta-individuais. A regra processual básica é no sentido do que preceitua o artigo 6º do CPC, onde ninguém poderá ir a juízo pleitear direito alheio em nome próprio. Ocorre que em alguns casos temos direitos que são alheios e de todos ao mesmo tempo e que escapariam da regra e de certa forma retirariam a eficácia do acesso à justiça e em última análise feriria de morte o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Assim criaram-se mecanismos para a defesa desses tipos de interesses, os chamados direitos difusos e coletivos, sendo o Brasil exemplar e vanguardista no que diz respeito à criação de tais instrumentos, podendo citar o mandado de segurança coletivo, a ação civil pública e a ação popular.
A parte do problema concernente a chegar à justiça parecia resolvido, entretanto viu-se que sair é que era o maior problema. Processos intermináveis, manobras processuais protelatórias, excesso das partes na defesa dos seus interesses, dentre outras celeumas fez com que se cunha-se a frase: Feliz é o homem até o dia em que precisa do Judiciário.
Nessa terceira onda, que esperamos venha de forma avassaladora e para ficar, busca-se a efetividade do processo, sua eficácia enquanto ferramenta de pacificação social. A justiça que tarda não pode ser considerada justiça. Assim temos que considerar o processo mais do que nunca como meio, como instrumento capaz de resolver de maneira eficaz as lides.
Essa onda também passa sem sombra de dúvida pelas formas alternativas de solução de conflitos. A aribragem, a conciliação, a mediação e outros meios alternativos ao Judiciário devem ser privilegiados face as claras vantagens demonstradas sobre o processo judicial: a especialização já que as partes poderiam escolher um experto no tema objeto de discussão; o sigilo, afinal a regra dos processos judiciais é a publicidade e a celeridade já que o árbitro possui menos causas para resolver.
Os efeitos sobre o judiciário seriam também benéficos posto que quanto mais pessoas buscassem os meios alternativos menor seria a quantidade de processos postos ao crivo do judiciário. Apesar de defendermos que o grande problema do nosso judiciário é ter o Estado Lato Sensu como maior cliente. Se o Estado deixasse de errar tanto e cumprisse as determinações legais em muito iríamos diminuir a quantidade de lides postas.
O processo deve ser eficaz. Leis estão sendo criadas para isso. A Constituição Federal tem sido emendada. Porém nada disso será suficiente se aqueles responsáveis pela materialização do direito não estiverem prontos para essa nova onda. Se os chamados operadores do direito, e é claro que a minha inclusão é obrigatória, tornarem-se operários do direito, comprometidos com os princípios e a busca pelo acesso a uma ordem jurídica justa, temos uma esperança. Caso contrário teremos um futuro tenebroso, onde não necessariamente um direito será respeitado e onde um anseio justo não será objeto de resposta eficaz.
Pois não é que o surfe será a solução de todos os nossos problemas...

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