terça-feira, 4 de outubro de 2016

A teoria das nulidades no Direito do Trabalho

Estudando sobre a teoria das nulidades no âmbito trabalhista, me deparei com as situações previstas como capazes de gerar a nulidade do negócio jurídico – contrato de trabalho – e suas consequências para o trabalhador.

Antes de mais nada se faz necessário desenvolver uma análise sobre a própria validade do negócio jurídico, para assim podermos de maneira muito mais simples, entender e estudar as invalidades dos negócios jurídicos.

Assim, temos que o negócio jurídico deverá ser analisado sob os planos da existência, validade e eficácia, como já preconizado pelo saudoso Pontes de Miranda em disciplinamento denominado pela doutrina de Escada Ponteana.

Nessa escada, ensinava o grande civilista que o negócio jurídico deverá percorrer um caminho para que possa, ao final, produzir todos os efeitos típicos dele esperados. Melhor dizendo, para que o negócio seja eficaz, deverá existir e ser válido e para que seja válido, deve existir, sendo um precedente lógico do outro.

Para saber se um negócio existe devemos verificar os seus elementos essenciais ou estruturais, quais sejam, agente, objeto e forma, ou seja, para a existência do negócio jurídico não se exige qualquer adjetivação.

Note-se que o Código Civil não se preocupa com o plano de existência em seu artigo 104, partindo, de pronto, para o plano da validade. Assim, para que o negócio jurídico seja considerado válido faz-se necessária a adjetivação dos elementos estruturais, devendo o agente ser capaz, o objeto ser lícito e a forma ser prescrita ou não defesa em lei.

No que concerne ao plano da eficácia, diz respeito aos efeitos práticos que o negócio jurídico existente e válido são capazes de produzir concretamente.

Assim, caso o negócio jurídico se mostre inválido, estaremos diante de uma irregularidade que, a depender da gravidade da ofensa ao ordenamento jurídico, gerará nulidade ou anulabilidade do ato praticado.

Havendo lesão a norma de ordem pública estaremos diante de nulidade com todas as suas características e consequências já por demais conhecidas. Sendo lesada norma de ordem privada estaremos diante de anulabilidade.

Na nulidade temos a inexistência de efeitos e a retroatividade da declaração, devendo as partes retornar ao status quo ante. Na anulabilidade os efeitos já ocorridos permanecerão e a declaração judicial não retroagirá, produzido esta efeitos ex nunc.

Essa é a regra geral no âmbito do Direito Civil que sofre adaptações quanto a sua aplicabilidade no Direito do Trabalho por uma questão muito simples: a força de trabalho, a energia dispendida pelo trabalhador não pode a ele ser devolvida, ou seja, as partes não podem retornar ao estado anterior de coisas e assim, em algumas situações, teremos os efeitos mesmo diante de um contrato nulo.

Isso se mostra por demais importante quando analisamos as hipóteses de trabalho proibido e ilícito, ligado ao elemento essencial objeto. No contrato do trabalho o objeto é a prestação de trabalho mediante remuneração, por pessoa física, com subordinação jurídica, pessoalidade e de forma habitual.

Tal trabalho deverá, por óbvio, ser desempenhado de maneira lícita, assim entendida tanto aquela não vedada pelo ordenamento jurídico, como aquela que não se constitua em ilícito penal.

O trabalho que venha a ser vedado pelo ordenamento jurídico é denominado trabalho proibido, como no caso do trabalho noturno prestado pelo menor.

A Constituição Federal proíbe esse tipo de trabalho para o menor, prevendo a nulidade de pleno direito do contrato que assim prever e da execução assim prestada. O problema é que uma norma protetiva não pode ser invocada para prejudicar o trabalhador. A norma foi criada para proteger o menor e não poderia ser invocada pelo empregador para, por exemplo, não pagar o adicional noturno face a proibição legal.

Assim, temos que no caso de prestação de trabalho proibido, apesar da nulidade do contrato de trabalho, teremos a validade dos seus efeitos, ou seja, o trabalhador teria direito a receber todas as verbas trabalhistas que fossem devidas caso o contrato não tivesse sido nulo.

O problema maior diz respeito a questão da prestação ilícita do trabalho e para tentar melhor elucidar o tema será necessário buscar o saber do grande jurista baiano José Rodrigues Pinto que diferencia o objeto do contrato do trabalho em imediato e mediato.

Para ele o objeto imediato do contrato do trabalho é a própria prestação do trabalho, ou o trabalho desempenhado propriamente dito. Já o objeto mediato seria a utilização desse trabalho pelo empregador.

Com tais informações passemos a analisar algumas situações.

Imagine uma loja que venda produtos oriundos de descaminho com emissão de notas falsas. Os vendedores não têm conhecimento sobre a origem dos produtos ou sobre a fraude na emissão de notas. Nesse caso estaríamos diante de um contrato nulo sem a produção de qualquer efeito?

Vejamos. O objeto imediato no caso apresentado é a venda de produtos, o que não é atividade ilícita. Já o objeto mediato é ilícito. Ora, estando os vendedores de boa-fé, não conhecendo da origem da prática delituosa, imperioso o reconhecimento dos efeitos daquele contrato de trabalho, posto que o objeto imediato não seria ilícito e, portanto, seria válido.

Em sentido diametralmente oposto temos, por exemplo, o apontador do jogo do bicho. Tanto o objeto imediato como o mediato são ilícitos e o empregado tem conhecimento sobre tal situação, ou seja, não pode alegar a boa-fé. Nesse caso não haveria qualquer tipo de efeito decorrente de tal prestação de serviço. É o entendimento encontrado na OJ-SDI1 199 do TST.

OJ-SDI1-199 JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO (título alterado e inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010 É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.


Assim podemos concluir que no âmbito do Direito do Trabalho a teoria das nulidades deve ser analisado com maior cuidado, tendo em vista a peculiaridade consistente na impossibilidade de devolução da força de trabalho do empregado, o que gera, a depender da situação, efeitos mesmo em contratos de trabalho nulos.

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